A luta contra a doença de Alzheimer, uma das formas mais devastadoras de demência, ganhou um novo e promissor aliado: a inteligência artificial (IA). Em um avanço pioneiro a nível mundial, um sistema desenvolvido em Hong Kong permite prever o risco da doença anos antes do surgimento dos primeiros sintomas clínicos, utilizando uma abordagem não invasiva e de baixo custo: a análise de imagens da retina.
A Retina como Janela para o Cérebro
O Humansa Medical Center, um centro de saúde focado em longevidade, em colaboração com a i-Cognitio Sciences – uma empresa de tecnologia oftalmológica ligada à Universidade Chinesa de Hong Kong (CUHK) –, está por trás desta inovação. O sistema aproveita o fato de a retina ser, essencialmente, uma extensão do cérebro, refletindo alterações que ocorrem no sistema nervoso central.
Através de uma fotografia simples do fundo do olho, a inteligência artificial analisa a fundo as imagens, detectando alterações precoces nos vasos sanguíneos e nos nervos da retina. Essas mudanças podem ser indicadores importantes de que o processo degenerativo do Alzheimer já está em curso, mesmo que o paciente ainda não apresente nenhum sinal cognitivo óbvio. Vincent Mok, diretor e fundador da i-Cognitio, ressalta a relevância desta “janela para o cérebro”, explicando que essas alterações retinianas podem se manifestar entre 10 e 15 anos antes dos sintomas clínicos se tornarem evidentes. Esta janela de tempo é crucial para uma intervenção precoce, que pode significar uma diferença substancial na progressão da doença e na qualidade de vida do paciente.
Validação e Precisão da Tecnologia
A robustez e a confiabilidade deste sistema de IA foram amplamente testadas e validadas. A i-Cognitio submeteu sua inteligência artificial a um vasto conjunto de dados, que incluiu quase 13 mil imagens do fundo de olhos de 648 pacientes já diagnosticados com Alzheimer, além de mais de 3 mil indivíduos com cognição normal.
Um estudo de grande impacto, publicado em 2022 na prestigiada revista Lancet Digital Health, confirmou a eficácia da tecnologia. Os resultados foram impressionantes: a IA desenvolvida para a detecção do risco de Alzheimer alcançou uma precisão notável de 80% a 92% em populações multiétnicas de diversos países. Esta alta taxa de acerto solidifica a posição do sistema como uma ferramenta poderosa e confiável no diagnóstico precoce.
O Impacto da Demência na População e a Importância da Intervenção Precoce
A demência é um desafio global de saúde pública, com um impacto significativo na qualidade de vida de milhões de pessoas e suas famílias. Dados recentes revelam que a doença afeta cerca de um terço das pessoas com mais de 85 anos na região Ásia-Pacífico. Em Hong Kong, especificamente, a demência atinge 10% da população com mais de 70 anos, sendo a doença de Alzheimer responsável por mais da metade dos casos diagnosticados.
A detecção precoce é um pilar fundamental na estratégia de combate ao Alzheimer. Estudos científicos sugerem que até 45% dos casos de demência poderiam ser evitados ou ter seu progresso retardado por meio de intervenções realizadas nas fases iniciais da doença. Isso sublinha a importância crítica de identificar indivíduos em risco muito antes que os sintomas clínicos se manifestem, permitindo que medidas preventivas ou de manejo sejam implementadas.
Superando Barreiras nos Métodos Atuais de Diagnóstico
Atualmente, os métodos convencionais para o diagnóstico de Alzheimer apresentam limitações significativas. Os testes cognitivos tradicionais e as imagens do cérebro (como ressonâncias magnéticas) frequentemente demonstram precisão limitada nas fases iniciais da doença. Por outro lado, métodos avançados, como o PET amiloide e a análise do líquido cefalorraquidiano, embora mais precisos, são invasivos, de alto custo e menos acessíveis à população em geral.
Nesse cenário, o sistema baseado em IA e análise da retina se destaca como uma solução inovadora e acessível. O modelo desenvolvido utiliza uma abordagem de aprendizagem profunda para oferecer uma “solução simples, de baixo custo e pouco trabalhosa” para identificar potenciais pacientes em ambientes comunitários. Sua alta precisão e sensibilidade o tornam uma ferramenta ideal para rastreamento em larga escala, democratizando o acesso ao diagnóstico precoce do Alzheimer e abrindo novas perspectivas para o manejo e a prevenção desta complexa doença.