Em um movimento sem precedentes, o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enviou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na tarde desta quarta-feira (9/7) anunciando tarifas adicionais de 50% sobre todos os produtos brasileiros enviados aos EUA. A correspondência se destaca de dezenas de outras enviadas a líderes globais, pois, além das tarifas, Trump utilizou motivos políticos para justificar a medida, algo não observado nas cartas divulgadas para outros países.
Entre as justificativas, Trump citou o tratamento dado pelo Judiciário brasileiro ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seu aliado, e a empresas de tecnologia americanas. Bolsonaro é réu em um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) no qual é acusado de liderar uma suposta tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. O julgamento de Bolsonaro e de outros envolvidos no caso deve ocorrer entre o final de agosto e o início de setembro.
Tom Agressivo e Exigências
A carta a Lula difere drasticamente das mensagens mais amigáveis enviadas a outros líderes, que seguem um texto padronizado. No comunicado direcionado ao Brasil, Trump inicia com um tom de forte crítica: “Conheci e lidei com o ex-presidente Jair Bolsonaro e o respeito grandemente, assim como a maioria dos líderes de outros países. A forma que o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado ao redor do mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional.”
Em outro trecho, Trump usa letras maiúsculas para exigir o fim do processo contra Bolsonaro: “Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deveria acabar IMEDIATAMENTE”.
A correspondência também acusa o Brasil de supostos ataques contra as eleições livres e menciona decisões “secretas e ilegais” do STF que teriam violado a liberdade de expressão de cidadãos americanos. “Em parte pelos ataques insidiosos às eleições livres e ao fundamental direito à liberdade de expressão de norte-americanos (como ultimamente ilustrada pelo STF, que tem emitido centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS contra plataformas de redes sociais norte-americanas, ameaçando-as com multas de milhões de dólares) […] nós vamos cobrar do Brasil tarifas de 50% sobre qualquer e todo produto brasileiro enviado aos Estados Unidos”, diz um trecho da carta.
A referência a decisões “secretas e ilegais” do STF pode ser interpretada como uma alusão às medidas contra redes sociais, como o bloqueio do X (antigo Twitter) de Elon Musk em 2024.
Contradição Comercial e Resposta do Brasil
Trump justifica as tarifas citando um suposto déficit comercial dos EUA com o Brasil. No entanto, dados oficiais do governo brasileiro indicam que, entre 2014 e 2024, a balança comercial foi favorável aos Estados Unidos em US$ 51 bilhões, contradizendo a afirmação de Trump.
Na carta, o ex-presidente americano também anunciou que determinou ao secretário de Comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer, o início imediato de uma investigação contra supostos “ataques” do governo brasileiro às atividades de comércio digital de empresas americanas e outras “práticas comerciais injustas”.
À noite, o presidente Lula respondeu à carta de Trump por meio de suas redes sociais. Ele reiterou que a balança comercial entre os dois países é favorável aos norte-americanos e indicou que o governo brasileiro poderá retaliar. “Neste sentido, qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica”, afirmou Lula, citando uma lei aprovada este ano que cria mecanismos de resposta a tarifas unilaterais.
Lula também reforçou que os casos judiciais envolvendo suspeitos de participação na tentativa de golpe de Estado são de competência exclusiva da Justiça Brasileira e não estão sujeitos a interferência externa. “O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais”, disse.
Escalada Retórica
O tom da carta de Trump acompanha suas recentes manifestações nas redes sociais sobre Bolsonaro. Na segunda-feira (7/7), Trump já havia se manifestado a favor do ex-presidente brasileiro, classificando a situação como uma “caça às bruxas” e afirmando que Bolsonaro “não é culpado de nada a não ser por ter lutado pelo povo”.
No mesmo dia, Lula rebateu as declarações de Trump, enfatizando a soberania brasileira e a independência de suas instituições. “A defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja”, declarou Lula. Em coletiva, Lula foi mais direto: “Dê palpite na sua vida e não na nossa”.
A escalada retórica e a decisão de Trump de anunciar novas tarifas surpreenderam parte dos diplomatas brasileiros, que, nas últimas semanas, não viam motivos para o Brasil se antecipar ou tentar distensionar as relações. Um sinal de alerta na diplomacia brasileira foi acionado quando o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, mencionou a possibilidade de aplicar sanções contra o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Após a divulgação das novas tarifas e da carta, o governo brasileiro realizou uma reunião de emergência no Palácio do Planalto com integrantes de diversos ministérios, incluindo Relações Exteriores e Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Confira a íntegra da carta de Trump a Lula:
À sua excelência,
Luiz Inácio Lula da Silva,
Presidente da República Federativa do Brasil
Brasília,
Prezado Senhor Presidente:
Conheci e lidei com o ex-presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei muito, assim como a maioria dos outros Líderes de Países. A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!
Devido em parte aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos (conforme recentemente ilustrado pela Suprema Corte brasileira, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS às plataformas de mídia social dos Estados Unidos, ameaçando-as com milhões de dólares em multas e suspensão do mercado de mídia social brasileiro), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todo e qualquer Produtos brasileiros enviados para os Estados Unidos, desvinculados de todas as Tarifas Setoriais. As mercadorias transbordadas para fugir desta tarifa de 50% estarão sujeitas a essa Tarifa mais elevada.
Além disso, tivemos anos para discutir nossa relação comercial com o Brasil e concluímos que devemos nos afastar da relação comercial de longa data e muito injusta gerada pelas políticas tarifárias e não-tarifárias e pelas barreiras comerciais do Brasil. Nosso relacionamento tem estado, infelizmente, longe de ser recíproco.
Por favor, entenda que o número de 50% é muito menor do que o necessário para termos condições de concorrência equitativas que devemos ter com o seu país. E isso é necessário para retificar as graves injustiças do atual regime. Como você sabe, não haverá tarifa se o Brasil, ou empresas de seu país, decidirem construir ou fabricar produtos dentro dos Estados Unidos e, de fato, faremos todo o possível para obter aprovações de forma rápida, profissional e rotineira – em outras palavras, em questão de semanas.
Se por algum motivo você decidir aumentar suas tarifas, então, qualquer que seja o número que você escolher para aumentá-las, será adicionado aos 50% que cobramos. Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de políticas tarifárias e não-tarifárias e barreiras comerciais do Brasil, causando esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Este déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional! Além disso, devido aos contínuos ataques do Brasil às atividades de comércio digital de empresas americanas, bem como outras práticas comerciais injustas, estou instruindo o representante comercial dos Estados Unidos, Jamieson Greer, a iniciar imediatamente uma investigação da Seção 301 do Brasil.
Se você deseja abrir seus mercados comerciais até então fechados para os Estados Unidos e eliminar suas políticas e barreiras comerciais tarifárias e não-tarifárias, talvez consideraremos um ajuste nesta carta.
Estas Tarifas podem ser modificadas, para cima ou para baixo, dependendo da nossa relação com o seu País. Você nunca ficará desapontado com os Estados Unidos da América.
Obrigado por sua atenção a este assunto!
Com os melhores votos,
Sinceramente,
Donald J. Trump
Presidente dos Estados Unidos da América
